ANALOGIA BURRA CAPÍTULO 1: PASSAGEM DE BASTÃO

No mundo corporativo um monte de gente adora termos técnicos, principalmente em inglês, expressões e analogias que muitas vezes não são entendidas, ou mau entendidas, e outras vezes são completamente mau utilizadas, como as analogias que podem vir de outras áreas e até mesmo dos esportes. Para falar um pouco sobre o uso incorreto de analogias eu resolvi escrever esta série de posts em que chamo este uso de Analogia Burra.

Para começar eu quero falar da famosa analogia “Passagem de Bastão”, utilizada em quase todas as empresas brasileiras, de quase todas áreas, por quase todos os profissionais, especialmente os gestores e aqueles que acham que falar estar expressões os tornam mais antenados, descolados e os transformam em homens/mulheres de negócio.

A expressão “Passagem de Bastão” é utilizada para referenciar os trabalhos que um time faz e que precisa ser continuado por outro time, e em algum momento o trabalho “sai de uma mão e vai para a outra mão”. O mesmo também pode ser utilizado para referenciar a passagem de trabalho entre áreas, departamentos, empresas e até mesmo profissionais dentro de um mesmo time.

Esta prática é muito utilizada no mundo corporativo, mas apesar de famosa e conhecida por quase todo mundo, e funcionar em muitos casos quando bem aplicada, em vários outros a utilização desta prática não tem trazido bons resultados, e na verdade tem gerado muitos problemas durante e após esta suposta passagem de trabalho entre um time e outro (vou usar o exemplo de um time para o outro, mas lembre-se que vale para todas as passagens mencionadas no parágrafo anterior).

Eu recebo muitas perguntas sobre como melhorar o processo de passagem de bastão, porque principalmente o time que recebe o trabalho para finalizar, não tem conhecimento do que foi feito, comete erros, tem muitas dúvidas, e com isso vários problemas são desencadeados.

Vamos ao exemplo 1:

O Time A constrói um produto durante alguns meses, e ao finalizá-lo passa o bastão para o Time B que irá prestar atendimento aos compradores e usuários deste produto, e apesar das documentações serem repassadas, treinamentos serem realizados, muitas informações são perdidas e o Time B tem muita dificuldade para atender os clientes que utilizam o produto construído pelo Time A.

Vamos ao exemplo 2:

O mesmo Time A repassa o produto também ao Time C, que irá escrever manuais de uso e preparar manuais de divulgação e venda do produto, o mesmo acontece com o Time C, que ao começar seus trabalhos tem muitas dúvidas, e acaba por incomodar muito o Time A, e algumas vezes cometendo erros por que faltaram informações durante o repasse (passagem de bastão).

Tanto para o exemplo 1, quanto para o 2, muita gente me pergunta: “Fábio, qual o melhor momento para fazer a passagem de bastão? Que documentos usamos? Quem escreve os documentos, prepara os manuais, faz os treinamentos para que a passagem de bastão seja mais suave?”

Bom, se você está em um ambiente complexo, com alto grau de incerteza e variáveis desconhecidas, a melhor resposta para estas e outras perguntas ligadas a prática de passagem de bastão é: “Não tem melhor momento para realizar a passagem de bastão, e muito menos melhores práticas para isso, o que você tem que fazer é para de usar esta prática, porque não é uma boa prática, na verdade é uma má prática para estes ambientes complexos onde o conhecimento adquirido é perdido na “Passagem de Bastão” e não é possível evitar perdas na transição. Por isso, e neste ambiente de alto grau de incerteza é que esta analogia se torna burra, pois não é a mesma aplicação do conceito trazido do esporte para o mundo corporativo”.

Fábio, porque a prática “Passagem de Bastão” é uma analogia burra?

Antes de responder, vamos relembrar rapidamente da onde esta expressão vem.

No esporte a passagem de bastão acontece na provas de corrida de revezamento, onde um corredor começa correndo e após alguns metros alcança um outro corredor e neste momento o primeiro passa o bastão para o segundo para este continua a corrida em seu lugar. O bastão não pode cair e a passagem precisa ser o mais limpo possível para que eles não percam velocidade. A passagem de bastão funciona muito bem porque os corredores estão na mesma equipe, e mais, eles estão correndo a mesma corrida juntos. Quando o primeiro começa o segundo já está esperando e começa praticamente junto também mais lento acompanhando cada passo do primeiro, até que percebe o momento de aumentar a velocidade e encontrar o seu parceiro de corrida no momento exato em que a troca precisa ser realizada, sem perdas, sem queda do bastão e sem nenhum tipo dúvida ou desconhecimento sobre o que está acontecendo.

No mundo corporativo, na maioria esmagadora dos casos que se encaixam neste meu post, as pessoas não estão no mesmo time, e quando estão, cada uma está fazendo uma coisa diferente e não está “ligada” no que o outro está fazendo e quando acontece a passagem de bastão este é praticamente jogado e a pessoa que recebe tem que fazer malabarismos para não deixar o bastão cair, e muitas vezes nem sabe da onde o bastão veio e para onde o bastão vai. É na verdade uma “Passagem de bucha”, “Passagem de problema” e um “toma lá que o filho agora é teu”.

Nestes casos que tenho acompanhado no mundo corporativo quando as empresas usam a expressão passagem de bastão, é o mesmo que uma corrida de revezamento com corredores em pistas separadas, correndo corridas diferentes, sem nunca ter visto o seu “parceiro de corrida” e sem saber ao certo que hora o bastão vem, e a empresa ainda cobra que a passagem de bastão seja limpa como vista nas corridas da equipe da Jamaica liderado pelo Usain Bolt. Eu chamo isso de analogia burra, porque o cenário é tão diferente, mas tão diferente, e tudo acontece tão diferente, mas tão diferente, que não é uma analogia, é loucura porque nunca funcionaria em uma corrida de bastão com corredores em pistas diferentes, correndo corridas diferentes em países diferentes … Não acha?

Bom, nem tudo está perdido. Se você está leu este artigo até aqui, reflita se o seu caso se enquadra no que eu narrei acima, e se principalmente você, ou os times da sua empresa, tem problemas originados durante ou após as famosas “passagens de bastão”. Se sim, reflita mais uma vez sobre o ambiente que você se encontra e responda, o seu ambiente é complexo ou caótico, há desconhecimentos, inovação, experimentação ou muito trabalho de criação, que envolve muitas pessoas, suas diferentes mentes e conhecimentos? Se sim, realmente a passagem de bastão não é para você e para a sua empresa, e eu te sugiro unir as pessoas em mesmos times, e começarem a fazer trabalhos mais juntos, colaborativos e com o conceito de Times Ágeis Multidisciplinares.

Já se você usa mas tudo dá certo e você não tem problemas, provavelmente o seu sistema é óbvio ou complicado, com trabalhos ordenados com processos bem definidos e tudo acontece conforme previsto ou com maior previsibilidade. Neste caso, está tudo bem, pode usar a prática de passagem de bastão que não haverá maiores perdas.

Para todos os casos, precisamos parar de usar termos abomináveis (vide livro do meu amigão e sócio Vitor Massari), expressões que ninguém entende como os conhecidos “tecniquês”, o uso exagerado de palavras em inglês, pois afinal estamos no Brasil e falamos português e você não será tachado como mais inteligente ou poliglota por isso, e as analogias que muitas vezes só servem para atrapalhar, enganar e fazer barulho em cima de termos ou palavras.