CADÊ O GERENTE? EP. 3 – O AEROPORTO

Depois de alguns meses a série Cadê o Gerente está de volta em seu episódio 3, onde vamos falar um pouco das obras do Aeroporto Internacional Hercílio Luz, na cidade catarinense de Florianópolis. O assunto principal aqui será o planejamento, o gerenciamento de riscos, o cronograma do projeto e a gestão dos stakeholders, ou, a falta deles.

As falhas no planejamento da obra são gigantescas e estão gerando atrasos imensos desde de 2004, quando a estatal federal anunciou o projeto para o novo aeroporto com lançamento previsto para 2008.

Depois disso a data de lançamento do novo aeroporto foi alterada para 2010, gerando a primeira frustração, depois para 2012 e este mês foi anunciada a nova data de entrega para 2014. Porém, o diretor de engenharia e meio ambiente da Infraero já declarou que “pode ser” que 70% da obra seja concluída até maio de 2014.

Pegando esta declaração, podemos dizer que apesar da intenção ter sido boa, não soa bem para um gerente de projeto transparecer falta de conhecimento ou controle sobre o cronograma de seu projeto. Um “pode ser” como este mostra que não foram feitas análises concretas da viabilidade da entrega, não há um cronograma bem realizado sobre esta possibilidade, e parece mais uma frase boa jogada ao vento para tentar acalmar as partes interessadas.

Além disso, a primeira coisa que acontece com um discurso como este é a geração de falsa expectativa que tudo indica que não será cumprida, e um novo problema que não existia será gerado, e uma possível pergunta será feita: “Você disse que seria entregue 70% em maio de 2014, porque não foi entregue?”. Neste momento não adiantará mais dizer que foi apenas um comentário ou uma estimativa.

O mais incrível é que as obras nem foram iniciadas ainda. Em 2010 o projeto foi modificado, devido a própria demora da obra original e que já precisava de adaptações visto que o aeroporto de Florianópolis funciona hoje 3 vezes acima da sua capacidade total. Nesta alteração de projeto em 2010 o início foi previsto para maio de 2011, já a última atualização neste mês de março de 2012 a estimativa é que a obra inicie em maio de 2012.

São evidentes os erros de planejamento. É claro que sabemos que um projeto deste porte envolve autorizações ambientais, desapropriações, liberações de verba financeira federal, licitações que podem sofrer impugnações, recursos e até cancelamentos. Então a pergunta que eu faço é: Cadê o gerente?

Diversos riscos, premissas e restrições estão associados a um projeto como este, e o gerente de projeto precisa analisar todas estas questões envolvidas, como algumas que foram mencionadas acima. Até este momento temos 10 anos de ocorrência de atrasos nesta obra, e pelo menos 4 anos de atraso no lançamento do novo aeroporto.

Onde ficaram os trabalhos de gerenciamento e controle de riscos?, Onde ficaram os trabalhos de planejamento do projeto?, Onde ficaram os trabalhos de cuidado na montagem dos cronogramas em sincronismo com os riscos, caminhos críticos e análises de caminho alternativo?, E não menos importante, onde ficaram os trabalhos de gerenciamento das expectativas das partes interessadas neste projeto?

A publicação e divulgação de cronogramas que atrasam radicalmente como os ocorridos na obra do Aeroporto Hercílio Luz, no mínimo fazem com que todos os Stakeholders desacreditem no projeto, e que toda a equipe de gerenciamento do projeto perca a credibilidade perante aos Stakeholders, que incluí também o Sponsor do projeto.

Os Stakeholders, ou seja, as partes interessadas ou afetadas em um projeto como este, são inúmeros. Por exemplo, turistas que buscam o estado para tirar férias, os profissionais que vem e vão a cidade para negócios, a comunidade local que será impulsionada com um crescimento e melhor organização e estruturação da recepção de visitantes, inclusive com o possível aumento de vagas de emprego, e também com a parte da comunidade que será de uma certa forma prejudicada com as desapropriações.

O próprio governo do estado e a prefeitura da cidade, que podem usar este projeto para trazer novas perspectivas para a região, também são Stakeholders. Como por exemplo a Copa do Mundo que já descartou a região como sede, e pelas informações que temos também está praticamente descartada para ser concentração de alguma seleção, podem ser considerados prejuízos com os fracassos de projetos como este.

Lembre-se: As perdas são imensas, e a perda de credibilidade com atrasos como estes.

Maquete do novo aeroporto

Quando se planeja sem levar em conta os riscos, e se cria cronogramas sem considerar premissas, restrições e os próprios riscos identificados, os atrasos serão quase certos, e o resultado será equivalente a este que estamos comentando aqui. Este é um ótimo exemplo de falta de um planejamento correto, e principalmente a falta de gerenciamento das expectativas das partes interessadas, e onde cabe muito bem a pergunta: Cadê o Gerente que não aplicou todas as boas práticas e não tratou todas estas questões, e muitas outras, neste mega projeto?

Podemos e devemos usar as falhas em projetos como este para pensarmos em nossos próprios projetos. O que os riscos mal tratados podem gerar? O que a falta de atenção às premissas e restrições podem gerar? O que a publicação de cronogramas um após o outro, e sem uma correta análise de todo o projeto podem causar? Sem deixar de mencionar o custo, para onde vai o orçamento do projeto e em quanto os gastos podem aumentar com atrasos de anos?

O recado que eu deixo aqui usando este projeto como um pequeno estudo de caso, é que nós como gerentes de projeto precisamos analisar o máximo de variáveis possíveis antes de darmos como concluído os planejamentos, cronogramas e documentos oficiais do projeto, principalmente quanto a publicá-los para as partes interessadas envolvidas.

Projetos como este envolvem centenas de pessoas, e pelo menos dezenas de profissionais chaves, que decidem e que influenciam em tudo isso, portanto, busque envolver todos os que precisam ser envolvidos, e divulgue as informações e decisões após uma boa análise, discussão interna e estudos estilo “advogado do diabo”.

Observação: Nenhuma das boas práticas aqui são referentes a metodologias, frameworks, modelos ou fontes específicas sobre gerenciamento de projetos, são simplesmente boas práticas reconhecidas pela maioria delas, e por praticamente todos os gerentes como eficientes e eficazes.

Dica: Quanto a pergunta “Cadê o gerente?”, ela se refere a todos os profissionais que exercem função de liderança, gestão ou gerenciamento de projetos de qualquer natureza, mas que conceitualmente precisam levar em conta as boas práticas de gerenciamento de projetos, sendo engenheiros, governantes, empresários, arquitetos, médicos, professores, e os próprios gerentes de projeto atuando especificamente nesta função.

Maquete do Novo Aeroporto de Floripa