A 2a Instância, o Trânsito em Julgado e o Agile

Estamos mais uma vez aguardando a decisão do STF (Superior Tribunal Federal) em relação a prisão após condenação em segunda instância, com base no artigo 5 da Constituição Federal que afirma que ninguém pode ser condenado antes do trânsito em julgado. Isso me fez pensar o quanto uma decisão para um lado pode ser muito Ágil e para o outro lado pode ser muito Anti-Ágil.

Bom, vamos entender um pouco dos conceitos e dos números.

O Brasil possui 4 instâncias até chegar no STF, que é o último nível, passando então pela 1a Instância, 2a Instância, STJ (Superior Tribunal de Justiça) e STF (Superior Tribunal Federal). Geralmente para se avançar de um nível para o outro, deve a defesa ou acusação solicitar um recurso de análise do caso para a próxima instância.

Cada uma das instâncias possui juízes diferentes, e o julgamento é realizado novamente tendo uma nova condenação que pode manter a condenação anterior, modificá-la para uma maior ou menor pena, ou até anular a condenação anterior.

O Trânsito em Julgado, significa que todas as instâncias devem ser consideradas enquanto houver chance de apelação ou recurso, ou seja, enquanto não tiver passado pela última instância (STF) o processo ainda está em Trânsito em Julgado.

Até 2016 o entendimento era que enquanto o processo estiver em Trânsito em Julgado, havendo possibilidade de recurso, apelação ou Habeas Corpus, o réu poderia responder em liberdade mesmo que tivesse sido condenado como culpado em instâncias anteriores. A partir de 2016 o STF decidiu que a partir da condenação em 2a instância o réu condenado como culpado, ou seja, considerado culpado de um crime nas duas primeiras instâncias, já poderia ser preso. Podendo recorrer, mas já cumprindo pena. O Trânsito em Julgado então foi colocado em cheque, pois a pergunta que fica é: “quando termina o Trânsito em Julgado?”, ‘Pode se prender o réu enquanto o Trânsito em Julgado ainda não terminar?”

Bom, e o Ágil onde entra nisso tudo?

É simples, só em 2018 haviam 80 milhões de processos em tramitação no país, imaginem se todos estes tiverem que passar por 4 instâncias, serão então 320 milhões de análises processuais em 1 ano. Considerando que vários recursos, pedidos ou apelações podem ser feitas em uma mesma instância este número pode crescer exponencialmente. Vamos imaginar que para cada processo seja pedido 2 recursos em cada instância, teremos então 3 análises por instância, chegando ao total de 12 análises (3×4), totalizando 960 milhões de análises de processos por ano no Brasil. Como isso será possível? Quantas pessoas serão necessárias para isso? Quanto tempo isso irá levar?

Manaus, 02/03/2015 – Processos físicos. Foto: Raphael Alves

Este é um exemplo de anti-ágil claro, mostrando uma impossibilidade de se ter uma agilidade organizacional, ou uma agilidade jurídica nacional. É o mesmo que todas as empresas tivessem 4 gestores para aprovar o seu relatório de despesa, ou a sua solicitação e mudança de escopo, o tempo quadruplica, a complexidade quadruplica e as chances de falhas e de cair no limbo são imensas.

Uma pergunta que faço para as empresas no caso destas infinitas análises e revisões é se não se confia no nível anterior, para que se tem o nível anterior? É tempo, dinheiro e pessoas sendo desperdiçadas. Então eu pergunto a mesma coisa para o Brasil e para o seu Judiciário: Para que ter 3 instâncias anteriores, se tudo precisará ser decidido pelo STF? Quanto tempo irá demorar para que eles analisem os recursos de 80 milhões de processos ano? Quantos prescreverão por causa disso? Quanto dinheiro será gasto? Quantos bandidos ficarão impunes?

Antes que vc discorde da última frase e pense: “E quanto aos inocentes que poderão ser condenados injustamente pelas instâncias anteriores?” Bom, segundo aos números oficiais menos de 0,02% (isso mesmo, “zero vírgula dois”) dos processos que passaram pela 2a instância são modificados no sentido de absolvição e mudanças drásticas de redução de pena, mais de 99% são mantidas ou alteradas apenas ajustando penas. Neste caso o desperdício se torna gigantesco julgar em até 4 instâncias 100% dos processos para se prender alguém, considerando os dados históricos.

Para completar o anti-ágil, os últimos números do STF mostram que de 1 a cada 5 processos que chegam ao STF prescrevem, atualmente um ministro pode ter mais de 6.000 processos por ano, ou seja, 1.200 prescrevem. Só no caso dos 6.000 processos/ano, um ministro precisará analisar 16 processos por dia, considerando que ele trabalhe todos os 365 dias do ano sem folga e descanso. Imagine se todos os 80 milhões sejam levados para o STF.

O mundo está indo para a desoneração, para a descentralização, para a automatização, e especialmente considerando a escala dos serviços é natural que este seja o caminho, pois quanto mais centralização com escala e aumento de serviços mais gargalo, mais lentidão, mais falhas e maior será o número de não entregas e fracassos. No caso do STF maior seria o número de prescrições.

Caso o STF decida pela não condenação em segunda instância e afirmar que o trânsito em julgado deverá ser respeitado até que todas as instâncias e recursos sejam utilizados, nós teremos um retrocesso do judiciário brasileiro, indo contra o mundo e apostando na centralização e na geração imensa de gargalos no processo judiciário podendo chegar a quase 1 bilhão de análises processuais por ano, passando por diversos níveis, necessitando de centenas de pessoas e rasgando muito dinheiro, mau aproveitando pessoas e recursos, além é claro de causar instabilidade jurídica, sensação de impunidade e de falta de segurança para o cidadão.

Espero que o STF opte pela Agilidade da instituição e não pelo sistema fracassado de centralização, burocratização e lentidão que leva ao fracasso de serviços.

Obs: Não sou advogado, bandido, promotor ou especialista jurídico, estou analisando apenas a agilidade de um sistema mais leve (com até 2 instâncias podendo condenar réus) e um sistema mais pesado (com até 4 instâncias que podem não condenar ninguém nunca, ou demorar demais para).